Relações UE / África

<strong><font color=0094E0>A estratégia da ingerência</font></strong>

Pedro Guerreiro
A estratégia da União Europeia para África não deverá ser vista de uma forma isolada ou parcelar relativamente às políticas da União Europeia - como alguns procuram fazer crer -, mas, pelo contrário, como sendo coerente e parte integrante destas.
A estratégia da União Europeia para África só adquire a sua real dimensão, contornos e alcance, se enquadrada na «Política Externa e de Segurança Comum», na «Política Europeia de Segurança e Defesa», na «Estratégia Europeia de Segurança» e em toda uma miríade de instrumentos que suportam a actual militarização da União Europeia – submetida ou articulada com a NATO - e a projectam nas relações internacionais.
Ou ainda, se enquadrada nas políticas da União Europeia (monetária, de comércio, de imigração, de agricultura e pescas, de energia, etc.) onde se firma a gradual transformação da União Europeia num bloco imperialista voltado para o confronto concorrencial por mercados, por matérias-primas, por mão-de-obra, por capital e domínio político, em concertação/rivalidade com os outros pólos imperialistas, designadamente em torno de África.
É crescente nas relações externas das grandes potências capitalistas a «integração» entre o designado soft power e hard power ou, dito de outra forma, a «interligação» do «desenvolvimento» e das políticas de «segurança» ou, ainda de outra maneira, a «articulação da intervenção civil e militar», «aprofundando», como é referido, o «conceito da responsabilidade de proteger».
A estratégia da União Europeia para África é exemplo de tal concepção que promove os instrumentos e os meios dedicados ao denominado «desenvolvimento» como dimensão de uma estratégia mais ampla que visa promover a ingerência, o domínio e a agravar a dependência política, económica, ideológica e militar.
Daí a insistência na denominada «coerência» entre o «desenvolvimento», a política externa e de «defesa» e os instrumentos em torno da dita «governança» e dos «direitos humanos», nomeadamente dirigidos aos agora designados pelo Banco Mundial de «Estados frágeis», 14 dos quais da África subsaariana.
Daí a proclamação do denominado «consenso» da União Europeia sobre os princípios, os objectivos e a estratégia de ajuda humanitária, que aponta «o direito, ou, mesmo, o dever de ingerência», considerando o recurso a «medidas coercivas, incluindo a intervenção militar» em caso de violação de direitos humanos, obviamente, sob os comandos e as conveniências das grandes potências da União Europeia, quanto vezes na origem dessas mesmas violações.

Domínio económico

Conhecemos bem os resultados de tal política «humanitária», que desrespeita e viola princípios do direito internacional e os direitos humanos que proclama defender. Veja-se a agressão da NATO à Jugoslávia ou a agressão dos EUA e seus aliados ao Iraque, exemplos de que a coberto da denominada «ingerência humanitária» se ocultam os interesses e os cálculos sem escrúpulos das grandes potências e do grande capital.
No fundo, o que se pretende é a criação ou reforço de uma panóplia de instrumentos, incluindo o dito «desenvolvimento», ao serviço de uma só estratégia imperialista, que serão utilizados consoante os interesses das grandes potências, a situação no terreno e as possibilidades existentes.
Os objectivos da política comercial da União Europeia para África visam assegurar e perpetuar o domínio económico das potências capitalistas europeias e, assim, a dependência e condicionamento da política económica dos países africanos aos interesses destas.
As inaceitáveis pressões e chantagens da União Europeia junto das organizações subregionais e países africanos para a assinatura dos denominados «acordos de parceria económica» previstos nos Acordos de Cotonou falam por si.
A União Europeia tem como objectivo impor aos países africanos a liberalização das relações comerciais – ultrapassando o estipulado na Organização Mundial do Comércio, designadamente quanto à liberalização dos serviços e do investimento –, não hesitando em condicionar os níveis de investimento do Banco Europeu de Desenvolvimento à assinatura destes acordos, que acentuam a já dupla dependência de muitos dos países africanos.
A União Europeia pretende que a liberalização do comércio esteja na base do processo de integração regional africano, de forma a facilitar o seu domínio dos mercados e dos imensos recursos naturais destes países. Ou seja, a União Europeia tem como objectivo que a integração regional africana seja feita consoante os seus interesses e à sua imagem, isto é, capitalista e monopolista.

Ajudar não é pilhar recursos

Uma quarta e breve anotação sobre o carácter desumano e cínico da política de imigração da União Europeia. Uma política que – escamoteando o quanto a União Europeia contribui para as causas que estão na origem da migração de milhões de africanos –, fomenta a exploração de uma mão-de-obra barata, criminaliza os imigrantes não legalmente documentados, os isola em condições inaceitáveis e degradantes e os expulsa. Uma política que fomenta a depredação dos recursos humanos mais qualificados dos países africanos.
Para concluir, salienta-se que sem dúvida que é urgente mais e melhor ajuda humanitária, num mundo cada vez mais desigual e injusto, onde é galopante a concentração da riqueza nuns poucos, à custa da exploração e da miséria de milhões; que sem dúvida que é urgente uma cooperação para o desenvolvimento, num mundo confrontado com uma nova corrida aos armamentos e a crescente militarização das relações internacionais, liderada pelos EUA e seus aliados na NATO.
Mas que há que denunciar que uma efectiva ajuda ao desenvolvimento é incompatível com objectivos e visões, mais ou menos dissimuladas, de ingerência, de exploração e pilhagem de recursos e de domínio neocolonialista.
Uma efectiva cooperação para o desenvolvimento exige o respeito da soberania nacional, da independência política e económica, do direito de cada povo a decidir do seu presente e futuro, de definir e construir o seu Estado e o seu projecto de desenvolvimento.


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